Existência Segredos Clonados

Carlos queria um relacionamento dos filmes adultos, mas…

Na primeira sessão, Carlos estava ansioso por uma resposta.

Queria sair da escuridão. Estava a buscar uma luz para seu futuro.

Desejava saber o motivo de ter, finalmente, depois de tantos custos e frustrações, ter a possibilidade de um relacionamento liberal tão desejado, mas que agora se sentia completamente frustrado.

Estava a hesitar, em resumo.

Percebia que o próximo passo poderia ser uma imensa desgraça para sua vida.

Foi preciso escavar seu passado, em alguns pontos.

Desde que começou a ter sucesso na vida, segundo ele, começou a desejar relações promíscuas, e saía pela cidade atrás de coisas que lhe apeteciam e que fossem proibidas pela moral vigente.

Relações com prostitutas, travestis, clubes de sexo e tudo o mais que fosse transgressor para os padrões da caretice social era o que lhe dava tesão.

Não tinha limites, e participava de tudo: sadomasoquismo, torturas medievais, bondages, etc.

Mas o que mais gostava era frequentar os clubes de sexo.

Certa vez, se sentiu sozinho, em meio a uma orgia.

Percebia que quase todos lá eram casais, e ele estava só, sem ninguém.

Broxou, e saiu de lá decidido a encontrar uma solução para sua solidão.

Estava decidido a se relacionar de forma liberal, de ter uma companheira que lhe desse um sentido de completude e que o acompanhasse em suas rondas noturnas.

Namorou várias, se declarou a várias, e sempre que declarava também seus interesses sexuais e fantasias, a coisa desandava.

E assim, nem mais lhe apeteciam as relações que tinha, e nem mais lhe apeteciam as noitadas de antes, pois era um amante solitário, segundo suas palavras.

Mas, tudo muda.

Tudo sempre muda.

E Carlos conheceu alguém que lhe apetecia sexualmente, que era uma máquina de sexo, como ele mesmo disse.

Uma relação sensacional, arrebatadora, desde o início.

Parece que se completavam na cama, que apenas em pensar em algo, tinha uma resposta automática da parceira, e vice-versa.

Era algo nunca sentido por ele anteriormente, em todas as suas relações.

Por isso, teve medo em se declarar para ela, de mostrar seu lado ‘pervertido’ e deixar a relação desaguar.

Ficou um tempo assim, a dois, e somente a fantasiar sozinho em sua mente com tudo o mais que poderia surtir daí.

Um dia, todavia, o assunto de uma conversa qualquer o pegou desprevenido, e deixou soltar para ela sua fantasia liberal.

E, por instantes, ela ficou bem séria.

Ele já se angustiou e logo tentou se retratar.

Em vão.

Neste momento, ao me descrever o ocorrido, se sentiu muito mal, e muito angustiado, pois nada queria que abalasse a relação que estava a viver, ainda que soubesse que não estaria completa, que poderia ter mais do que tão intensamente estava a viver.

Mas, como ele mesmo disse, ao pensar em algo sexual, a resposta dela era automática e, de prontidão, também disse-lhe que esse era o caminho para eles, que queria avançar nas relações liberais, sejam a sós ou em companhia um do outro.

Ficou chocado, profundamente.

Pois, para ele, assim como para muitas pessoas, as fantasias eram verdadeiras formas de desejo pelo desejo.

O que ele queria, mesmo, ao fantasiar, é ter o retorno que ela quereria somente ele, e mais ninguém.

Na mente dele, ao estar com outros casais, sentia-se frustrado por não ser tão desejado pela esposa alheia como esta desejava o seu próprio marido, mesmo que na intensidade da paixão, percebia ser coadjuvante.

Por isso sentia-se tão só, sem ninguém, e como mero objeto.

Foram várias sessões para que pudéssemos chegar a este ponto, muito profundo nele, mas totalmente relevante de se perceber pela sua nova frustração:

“– e se ela desejasse outro mais do que eu mesmo? E se gozasse mais intensamente com outro?”

Era o que martelava em sua mente.

Estava a brincar com a perda, com a finitude da relação.

Havia chegado ao seu abismo, em frente ao real, ao descompasso da materialidade e da transcendentalidade.

O desafio de Carlos foi este: lidar com as próprias fantasias – lidar com o seu próprio desejo, de aprender a dosar o desejar o desejo alheio.

Pois, tudo isto trouxe-lhe insegurança, e medo.

Sem perceber bem o que estava a ocorrer, ou se manteria frustrado numa relação ‘convencional’ ou se meteria numa relação ‘liberal’ a correr todos os riscos e danos emocionais que podem surgir daí.

O mapeamento ajudou o processo, a perceber as formas comportamentais que ele tinha – do abismo entre os modos de ser e de existir, desde jovem adolescente.

E ajudou a buscar novos meios para que pudesse sustentar as duas formas de relações, isoladamente, e dissociar o amor, o sentimento, da posse, do controle.

Ainda estão juntos, depois de alguns anos de instabilidades, pois descobriram o amor, depois de sua paixão. Foram minha inspiração para relatar um caso no livro, inclusive, sobre a cumplicidade entre casais.

E esse sucesso que estão a ter na relação se deu pelo compartilhar de conteúdos e, principalmente, de valores: chegaram às formas ideais de se relacionarem.

Pois, ao explorar seu próprio interior, Carlos se deixou vulnerável para ela, e assim ela pode percebê-lo realmente, e mais sábia emocionalmente, como todas as mulheres geralmente são, conseguiu administrar a relação de uma forma mais saudável – e com muito tesão, e a base entre eles, inegociável, segundo ele diz.

Diálogos.

Nem sempre pelas palavras, mas pelo respirar, pelo olhar e, principalmente, pelo silêncio.

São todas as formas de se dialogar, muito além das palavras…

Notas

Este relato foi também publicado também na página do Leandro Ortolan, no FaceBook.

Os casos são reais. Os nomes são todos alterados, em ordem alfabética aos relatos publicados.

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