glossário do esquema conceitual do possível serdual - ameaça

Ameaça

A ameaça é o oposto conceitual da possibilidade ideológica. E quem ou o que seja estranho a este universo ideológico e não consiga ser “convertido” para comungar exclusivamente dos mesmos valores, passa a representar uma ameaça e logo será tido como inimigo.

“O que teria em comum entre a assunção da veracidade da predicação das falsas universalidades e a visão distorcida acerca de tudo o mais que há? Como correlacionar o erro de se assumir uma universalidade e a visão distorcida do mundo?

Esta é uma conexão conceitual tão sutil de se perceber, mas ao mesmo tempo tão poderosa que nos levará a ter imensos cuidados ao desconstruir conceitualmente a forma estrutural que nos uniu até aqui através dos conteúdos que temos em comum acerca dela.

Todos os sujeitos, jogados ou criados na estrutura, são afetados pela necessidade de obedecerem a uma linearidade suposta de existir em tudo o que há, e assim, aprendem logo sobre o suposto caminho para as possibilidades, pois é o que mantém a todos unidos dentro de uma mesma estrutura. Aliás, a estrutura é mesmo justificada para que se possam alcançar as possibilidades – é para isso que ela serve, pois é o seu telos.

E todos, ou quase todos, elegerão as impossibilidades como opostos das possibilidades, pois ao estarem as possibilidades dotadas de predicados universais, seus opostos também são passíveis de terem tais predicativos, pois precisam ser correlatos ontológicos. E isto gerará um problema para todos, e uma oportunidade para o espírito obsessor que encontrará aí um ambiente propício para se desenvolver.

As impossibilidades não fazem oposição às possibilidades, e este é um grande erro que a maioria, devota ou não devota, comete sem percebê-lo, pela irrelevância que passam a dar às impossibilidades, sempre menosprezadas ao ponto de serem desconsideradas como existentes. São desconsideradas pois o tal espírito obsessor passa a ser visto como eficiente para anular todas as impossibilidades, e deixá-las completamente sem efeito.

Surge daí a sua força, da pretensão de nada ser impossível e, frente à realidade do impossível, usa-se um recurso que o desativa, e tudo passa a ser possível novamente. Sem uma predicação universal, isto não funcionaria, pois, a mente não consideraria capaz a atuação universal de algo não universal. Assim como a confiança em uma empresa multinacional é sempre maior do que em uma local.

A mente opera um bypass quando percebe uma impossibilidade. E este bypass não é natural, mas artificial, e implantado pela ação do espírito obsessor. A impossibilidade da superação da morte, ou da vida eterna opera desta forma, como sabemos, e formas de ultrapassá-la são produzidas sem que o sujeito considere mais o que existe a afrontá-lo.

E é um erro que é incentivado e mascarado com a ação do bypass, que opera nesta mesma maioria, devota ou não, que se afinizam nesta ilibação do impossível, pela aversão que possuem ao confronto com a realidade. Mas, o que é preciso saber sobre tal espírito, por agora? Qual é o verdadeiro arqui-inimigo das possibilidades, dos sujeitos? E como ele distrai a todos para que não percebam mais a realidade?

Os opostos das possibilidades são, unicamente, as ameaças. Começaremos a perceber que a ação do bypass é criar uma ação para que as possibilidades sejam, ao mesmo tempo, tornadas disponíveis como oportunidades e incapazes de serem impossíveis de ocorrer. Esta é a promessa implantada em todos, pelo espírito.

Toda ameaça é algo possível, obviamente, mas que pode ser provável ou improvável de ocorrer, ou seja, é algo real que pode ou não ser atual, mas que sempre estará próximo de sê-lo. É o mesmo processo de incerteza que há nas predicações universais, a mesma construção mental que vem deste esforço de prever e controlar o devir. Eis o ponto crucial da diferença entre a ameaça e a impossibilidade: uma ameaça causa sensações, sempre fortes e presentes. 

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Basta pensar em algo ameaçador que as sensações ruins ocorram, diferentemente das impossibilidades, sempre frias e por vezes distantes. A impossibilidade é estática, natimorta, enquanto a ameaça é dinâmica e pode interagir com a linha do tempo do sujeito. E isto faz toda a diferença para o espírito obsessor, que passa a dominar a cena quando troca um inimigo possível de vencer por outro inimigo capaz de ele mesmo produzi-lo. Cria-se o falso problema para se vender a falsa solução.”

Há sempre coisas indesejadas a ocorrem nas vidas das pessoas normais, mas que parecem estar anestesiadas ao ponto de não perceberem que há mesmo algo real e impossível a lhe impedir uma vida em melhores condições. Assim também se dá na própria estrutura, como os muitos holocaustos, guerras, pandemias letais, períodos de grande escassez de alimentos, distúrbios climáticos ou geológicos, etc. Surgiram, surgem e surgirão ainda mais. Comovem a todos, e logo são esquecidos pois a preocupação é mesmo com a cenoura posta à frente, a correrem para o encontro dela, como coelhos.

Até mesmo existem mais facilmente exemplos sobre fatalidades que expressam as impossibilidades do que as coisas consideradas boas, sejam possibilidades ou oportunidades. E por isso começamos a perceber o motivo de não ser a busca do “bem” que forma a sustentação para que ocorra a obsessão a que todos estamos submetidos, em maior ou menor grau. O bem, ou a cenoura, é algo artificial colocado à frente de todos, que passam a perseguir algo, indiferentes se é mesmo real, pois não é.

A obsessão é sustentada justamente pela ameaça às oportunidades que são disfarçadas como possibilidades, e tudo fica confuso, e já não se sabe mais o que seja uma oportunidade ou uma possibilidade – surgem nossos medos, e não pelas impossibilidades reais – que deixaram de ser considerados como existentes. A obsessão coletiva dá-se pela ignorância, ou melhor, pela inconsciência artificial acerca do real conhecimento.” (em O Guia Cínico e Selvagem dos Jogos da Vida, Cap. XIV)

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