glossário do esquema conceitual do possível serdual - anestesia

Anestesia

(Ver também: autoajuda) Anestesias são paliativos mentais que distanciam o sujeito incomodado pelo contacto com o real a fugir para as zonas seguras do possível, a se distanciar do impossível cruel e inegociável. As anestesias são produtos, sempre, e por isso não são gratuitas nem passivas, pois possui um mercado gigantesco que promove a dor enquanto oferece o analgésico existencial, em simultaneidade. Estimula o consumo e oferece o crédito, por exemplo, para além das clássicas religiões, esportes, etc, que fazem adormecer a todos os que se deixam encantar pelas promessas existentes. Para tudo, ou quase tudo, há alguma anestesia.

“As razões, assim, pouco importam para a abordagem que a autoajuda estabelece, assim como todas as outras seitas que denominaremos de “anestesias”. O que importa, como anestesia, é que se deve prosseguir e ignorar esta mensagem considerada autodestrutiva, negativa, sem nenhuma razão para ser significativa, pois tudo o que deve importar realmente deve ser completamente objetivo, deve estar na estrutura material do mundo e das posições estabelecidas na estrutura vigente.

E assim, tudo o que está contido no conjunto das anestesias, passa a emitir as poderosas mensagens sugestivas – as mesmas ideias “positivas” que são artificialmente compartilhadas pelo marketing eficiente das maiores marcas[1] mundiais: «vá em frente, mantenha-se a caminhar», seja para a vida ou para o mundo dos whiskeys, «apenas faça isto», a correr em seus novos tênis em mundo cada vez mais acelerado. As mais poderosas mensagens publicitárias sempre são grandes sínteses dos imperativos objetivos que estão na ordem estabelecida do mundo. Tudo direcionado para a positividade, que alguns mais esclarecidos já acrescentaram um sobrenome, e virou a «positividade tóxica», que felizmente começa a ser combatida, mas que infelizmente pela forma como se combate a toxicidade a fortalecerá ainda mais.” (em O Guia Cínico e Selvagem dos Jogos da Vida, Cap. III)

“A agonia do contato com o real ocorre em três etapas, todas de impossibilidades. E por serem impossibilidades é que não são admitidas existirem, e logo são tratadas de serem abafadas pelos que são mais sensíveis às dores existenciais – a esmagadora maioria. Por isso, são abundantes as formas de anestesias oferecidas obscenamente a todos. E daí percebemos que este contacto com o real não é algo tão raro assim, até pelo imenso mercado que há de anestesias, e que todos passam a ser consumidores, mais cedo ou mais tarde, mais ou menos intensamente, mas sempre lá estarão, a se anestesiarem contra o que traz angústia e incerteza, impossibilidade e desertificação. A estrutura também é vulnerável, sob esta ótica, visto ser uma criação na qual os criadores podem todos estar vulneráveis ao ponto de deixar a estrutura ruir, quando passam a dar mais valor ao deserto do real do que à “Disneylândia” antes imaginada.

A primeira etapa é a própria experiência da descoberta, da força com que surge a fissura e o impacto que a visão causa, como se estivesse, pela primeira vez, a enxergar verdadeiramente – da certeza de que há algo mais para além das aparências desde sempre tidas como possibilidades. Nesta fase, o consumo de anestesia é realmente feito em doses excessivas, sem moderações. O sujeito embraga-se de tudo: autoajuda, religiões, bebidas, drogas, terapias quânticas, música sertaneja, chás de cogumelos, jejum intermitente, maratonas de doramas coreanos, teorias da conspiração, crossfit, grupos de Whatsapp e Telegram, coaches, e tudo o mais que disserem ser bom e capaz de aplacar os seus terríveis pensamentos que nunca chegam a nenhum entendimento ou conclusão.

e …

A segunda vem depois dos efeitos temporários das anestesias e é a intermitência das brechas, que surgem e desaparecem. Que pululam, pela vida, a surgirem quando menos se espera. Entre estes espaços, mais e mais anestesias são consumidas, mas que parecem ficar mais fracas e por isso menos satisfatórias, pois o sujeito passa a ficar mais resistente a elas pelas visões que continuam a lhe afetar. Além de diversas histórias que são contadas para si mesmo, a abrandar as perceções. As maiores mentiras não são as que os indivíduos contam para os outros, mas as que contam para si, e que não são poucas. Há camadas e camadas de mentiras, sobrepostas, que levam às crenças diversas nas anestesias, e nos fornecedores destas, os ditos traficantes da felicidade…” (em O Guia Cínico e Selvagem dos Jogos da Vida, Cap. V)


Notas

[1] Julie Bramham, diretora global de marca da Johnnie Walker, disse «a Johnnie Walker sempre foi otimista e um exemplo de progresso – é isso que significa Keep Walking… são duas pequenas palavras que falam muito sobre positividade, possibilidade e resiliência». Acedido em 23/04/2022 no site https://www.prnewswire.com/news-releases/johnnie-walker-lanca-nova-campanha-keep-walking-para-fazer-o-mundo-se-movimentar-novamente-820753033.html. «A campanha “Just Do It” incorporou a imagem da Nike como um ícone americano inovador associado ao sucesso através da combinação de atletas profissionais e slogans motivacionais enfatizando o espírito esportivo e a saúde. Isso levou os clientes a associarem suas compras com a perspectiva de alcançar a grandeza». Acedido em 23/04/2022 no site https://en.wikipedia.org/wiki/Just_Do_It.

Anestesia: Conteúdo Protegido.

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