glossário do esquema conceitual do possível serdual - causação imanente

Causação Imanente

Há também o determinismo divino do filósofo holandês Baruch Espinoza (1632 – 1677), a partir de sua brilhante conceituação de causação imanente, em que a causa está no efeito, e o efeito está na causa, a contrariar as teorias causais de Aristóteles, que coloca uma causa final, transcendental, como responsável última dos acontecimentos. Assim, Espinoza constrói uma teoria racionalmente consistente acerca da imanência, em detrimento da transcendência do Uno[1] neoplatônico e da transcendência do Demiurgo[2] platônico, ao defender que o homem está em tudo, e este tudo está em deus, que tanto afeta quanto é afetado. E, dentro deste contexto, não haveria para o homem a liberdade, mas sim um estar dentro de algo maior do que ele, mas não superior, e sim integrador de tudo.” (em O Guia Cínico e Selvagem dos Jogos da Vida, Cap. V)

“Uma das necessidades fetichistas contemporâneas é a afirmação da liberdade. E a necessidade de afirmar a liberdade se faz presente justamente pelo facto de não haver liberdade para se agir como se deseja, e isto é claramente percetível a todos, o que causa um problema de inconsistência estrutural, como já vimos, e que leva à hesitação, ao final. Se o sujeito, em seu modo de existir, crê na sua liberdade e acata esta condição como um ideal de existência, este mesmo sujeito pode, em seu modo de ser, clamar pelo que não tem, pois, o abismo separa um do outro, e o que é idealizado logo sucumbe à realidade de sua vida estrutural, ou até mesmo a impossibilidade de uma alocação dentro desta estrutura.

O facto é que a estrutura não se curva às idealizações de ninguém, e é isto que leva às dissonâncias nos acontecimentos. E isto ocorre não apenas no mundo comum e popular, mas também nos campos académicos, especialmente nas Humanidades, quase que sem exceções.

crenças académicas profundas na máxima autonomia do sujeito que supostamente possui capacidade para deliberar todas as suas escolhas e estabelecer modos de agir, individualmente, como origem primária[3] de seus próprios movimentos existenciais causados apenas por si mesmo, sem nenhuma influência para além de si, a priori. Isto é defendido genericamente como se nada mais houvesse para além do indivíduo a interferir em suas intenções, ou ações. E vem a ser reproduzido exponencialmente, como uma forma de perpetuar a liberdade da individualidade.” (em O Guia Cínico e Selvagem dos Jogos da Vida, Cap. VII)


Notas: causação imanente

[1] «Plotino ensinou que existe um ser supremo, totalmente transcendente o “Uno”; além de todas as categorias do Ser e Não-ser. Seu Uno “não pode ser qualquer coisa existente”, nem é simplesmente a soma de todas as coisas [comparado a doutrina dos estoicos da descrença na não-existência material], mas “é antes de tudo existente”. Plotino identificou o Uno com o conceito de ‘Bom’ e o princípio da “Beleza”.

O Uno engloba o pensador e o objeto. Até mesmo a inteligência autocontemplante (a noesis do nous) deve conter dualidade. “Depois de ter chegado no ‘Bem’, não adicione nenhum pensamento a mais: em qualquer adição, e em proporção daquela adição, você adiciona uma deficiência.“. Plotino nega a senciência, consciência de si-ou qualquer outra ação (ergon) para o Uno». Poderá saber mais em https://pt.wikipedia.org/wiki/Plotino#O_Uno, de onde foi retirado este trecho, em 17/09/2022. Há também uma conceituação mais formal a partir da página 368 de: Reale, Giovanni. História da Filosofia. Volume l. São Paulo: Paulus. 2003.

[2] «O uso filosófico e o substantivo próprio derivam do diálogo Timeu escrito por Platão em 360 a.C., a causa do universo, de acordo com a exigência de que tudo que sofre transformação ou geração (genesis) sofre-a em virtude de uma causa. Diferente do deus cristão, o demiurgo não cria ex-nihilo, mas a partir de um estado preexistente de caos, tentando fazer seu produto assemelhar-se ao modelo eterno das Formas, assim a atividade do demiurgo compreende observar as Formas, desejar que tudo seja o melhor ou mais similar possível ao modelo eterno e perfeito.». Poderá saber mais em https://pt.wikipedia.org/wiki/Demiurgo, de onde foi retirado este trecho, em 17/09/2022. Há também uma conceituação mais formal a partir da página 137 de: Reale, 2003, ibidem.

[3] É justamente a existência desta “origem primária” a premissa que leva ao erro conceitual de uma causação primeira, mas já fugimos deste risco ao evocarmos o conceito da causação imanente de Espinoza.

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