glossário do esquema conceitual do possível serdual - Geolocalização e Representações

Geolocalização e Representações

Sobre a Geolocalização e Representações: “Todos motorista que se orgulha de ser um bom cidadão, gosta de se dizer um profundo conhecedor de sua cidade. Na prática, quando dizemos conhecer a cidade que habitamos, razoavelmente, isto significa que conhecemos os principais pontos da cidade, e os mais prováveis de serem conhecidos. Podemos nos movimentar por ela, pois sempre teremos algum ponto de referência em algum canto dela que nos permitirá perceber para qual lado estamos e o que precisamos fazer para chegar a um outro destino desejado, sem se perder pelo caminho. Mesmo que não se conheça tudo, ou não se percebam todos os caminhos possíveis, haverá algum senso de orientação que fará tudo parecer conectado, e isto nos permitirá uma certa sensação de confiança para nos movimentarmos.

Mas, a cidade é sempre maior do que o que há de conhecido por nós. E também é maior do que tudo o que há de construído nela, pois existem lugares em que ainda nada há construído. Nem mesmo seus limites estão todos perfeitamente demarcados (geralmente não existem marcas limítrofes, sensivelmente) e, assim, sem alguma ajuda visual externa, nunca sabemos se estamos ainda na cidade, ou se já estamos na cidade vizinha, ao transitarmos próximos às suas fronteiras geográficas que não estejam visualmente demarcadas.

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O território é sempre maior do que o espaço de convivência. Este espaço de convivência, na verdade, não é apenas o que chamamos de espaço privado, nossa casa, mas também o espaço público, em que todos podem estar, conjuntamente, alocados a conviverem numa parte do território. Mas quase nunca se convive em todos os espaços do território que abrigam os habitantes, mas sim naqueles mais relevantes, acedidos e compartilhados, geralmente mais concentrados nas regiões mais centrais e que chamamos por cidades.

O território é, desta forma, sempre tido como aliado das possibilidades. Pois supostamente nele tudo se pode construir, com a intenção de ocupá-lo. Mas, se não de todo, ao menos de uma porção limitada dele podemos ter conhecimento, e atribuir classificações, categorias, nomes, etc., que são os predicados dos conteúdos do território, comumente representados de alguma forma nos registos possíveis, qualitativamente e quantitativamente. Surge a Avenida Tal, a Rua Tal e Tal, o prédio XYZ, e por aí vai. Ainda que possamos percorrer todo o território, pois é uma possibilidade, apenas o faremos comumente nas partes que sejam relevantes ou necessárias à nossa rotina, bem como nas rotinas das demais pessoas, e serão estas partes relevantes que primeiramente estarão representadas, pois serão referências comuns e necessárias. Farão parte da realidade própria e compartilhada dos habitantes.

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Todos estes conteúdos reais são, assim, em conjunto, representados em um mapa físico ou num guia da cidade, como nos antigos Guias Rex (um “livro”), publicações anuais muito populares no Rio de Janeiro nos saudosos tempos analógicos; ou, já sem o saudosismo, em um sistema digital, como nas aplicações de GPS, que passam a obter as coordenadas da localização exata de algo ou alguém através de quaisquer destas representações, a partir da informação dada por um observador externo, ou melhor, três destes observadores, que são os satélites que triangulam a exata posição que se deseja precisar.

Por isso, é uma representação tanto quantitativa quanto qualitativa. Na dimensão digital do GPS há a representação de quase tudo o que é relevante na cidade ou território, mas não tão fidedignamente, pois não é necessária uma máxima qualidade para a função que se deseja obter dele, que é orientar um deslocamento de um ponto ao outro, ou apenas acusar a localização exata de onde se esteja, ou de onde se queira ir. A quantificação, todavia, é necessária com a máxima precisão dada pelas coordenadas. Assim, nem todos os conteúdos serão igualmente relevantes qualitativamente para se saber por onde precisará passar até chegar ao destino pretendido.

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E o sujeito passa a se orientar pelas referências geográficas destas representações relevantes, supostamente a mostrarem-lhe o melhor caminho para o destino informado, a partir de um roteiro que lhe é dado pelo dispositivo. Ou não, necessariamente, pois poderá sair a dirigir pela cidade com o GPS a funcionar e neste caso apenas receberá sua localização atual representada na tela, a mudar a localização no mapa a cada vez que se movimenta. Cada representação será a apreensão quantitativa da localização “real” e em tempo “real”. Mas, ainda assim, será uma representação da realidade, e não a realidade em si, pois o entorno real do usuário pode não ser exatamente o mesmo que está representado no GPS, pois a qualidade não é relevante, de todo.

Assim, ao seguir irrestritamente as recomendações de movimentos que o GPS determina, o que estará a ocorrer é que você estará submisso não mais à realidade do seu entorno, mas sim às representações dela, que estarão a comandar suas ações no mundo real. E isto é, de certa forma, uma subversão da realidade, quando não é mais a realidade que é priorizada na decisão, mas sim sua representação que passa a ter a primazia – do efeito que, subvertido, passa a causar. Na causação imanente, na subversão, percebemos que a representação é formada a partir da realidade, e por isso não soa tão estranho, exceto por tal representação não ocorrer em simultâneo.

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E logo se é levado a perceber que se tomam as representações como sendo a própria realidade. Por isso não é raro que, ao seguir as orientações do GPS, perceber que se cometeu um erro e será difícil sair de onde se está apenas com o uso do GPS, e será preciso voltar a se referenciar pela observação direta da realidade. Se você é um millennial, terá muita dificuldade em imaginar como eram comuns estas coisas nos tempos do Guia Rex, que era atualizado apenas anualmente. Pessoas que residiam em locais não mapeados pelo Guia, não raro marcavam com seus convidados em algum lugar conhecido e próximo, para então seguirem juntas para suas casas, se quisessem mesmo receber visitas. Pois a realidade muda, se transforma, e as representações não conseguem acompanhar seu dinamismo, pois são registos estáticos, completamente imobilizados de um passado cada vez mais distante.”

“Mas, o que faz você se movimentar como se movimenta, na direção escolhida, são as diretrizes dadas pelo GPS para você, a partir dos cálculos que este faz de acordo com o que lhe está disponível nas representações, que por sua vez foram subordinadas a determinadas predicações. Ele determina o que seja o ótimo para você fazer, mas o faz por ter sido assim comandado, de acordo com as condições e com as suas restrições. Você pode programá-lo, por exemplo, para não passar por pedágios, ou até mesmo para que ele não decida nada ao não calcular apenas um único percurso, mas sim sugerir três ou mais percursos distintos e que caberá a você escolher qual quererá percorrer, como se fosse mesmo você a escolher.

Pois ainda assim, lhe parecerá que é o GPS que está a ordenar, como se fosse ele mesmo a ser uma personalidade a dizer o que fazer. Mas, o que ele faz mesmo é seguir as regras que existem, que resultarão no caminho otimizado que será sugerido para o trajeto entre o ponto em que se está e o ponto que se deseja ir. Mas, ele o faz como se ordenasse mesmo, e não apenas estivesse a lhe sugerir fazer.

E é assim percebido por muitos que o seguem irremediavelmente, e que assim farão até que não seja mais possível. E, quando há a impossibilidade de segui-lo, por exemplo, por uma rua em que a mão foi invertida pelo poder público, a tendência é culpabilizar o poder público pela “ingerência” dele sobre a realidade percebida, como se este fosse o próprio agente do caos na ordem representada no GPS. E não é assim mesmo?” (em O Guia Cínico e Selvagem dos Jogos da Vida, Cap. XV)

Geolocalização e Representações: Conteúdo Protegido.

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