glossário do esquema conceitual do possível serdual - real

Real

“Mas nesta visão ocorrida pelas brechas existentes da estrutura nada há o real, para além de um deserto, de uma dimensão ainda inabitada e inexplorada, e isto é algo desesperador e profundamente inquietante. Pois não é um deserto produzido pela interação entre todos os que compõem, constroem e sustentam a estrutura, tal como um deserto aparentemente hostil que sempre possui algum oásis algures.

O deserto do real é mesmo vazio, inabitado e realmente hostil, sem nenhum oásis. Mas, o mais impactante é que é um deserto apenas daquele que o vislumbra e logo, certamente, concluirá de forma angustiante que por existir uma dimensão como esta, mesmo que inacessível, sempre esteve a viver em uma ilusão propositada para deixá-lo distante da realidade – e o sujeito se questiona a si mesmo, e passa a existir, passa a algo mais, ou a algo menos – se transforma. E então já terá passado do ponto de não-retorno e sua vida nunca mais voltará a ser apenas uma ilusão, por mais que a deseje para si. Pois, as ilusões não são, necessariamente, experiências ruins, pelo contrário, são sedutoras e reconfortantes, muitas das vezes, enquanto estão a durar. A desilusão é que acaba por ser um grande problema, sempre.”

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O existente vai para além do cenário construído na estrutura, dos constituintes que operam funcionalmente a deixar a todos aderentes. Mas, pelas capacidades individuais, ou mesmo pelo acaso, há alguns poucos que conseguem perceber as fissuras, as brechas em que se pode permear dos limitados cenários para a realidade que o contém. São habilidades que podem ser desenvolvidas, mas em verdade poucos as desejam de facto. Embora muitos se relacionem com estas visões de forma visceral. A nutrirem tanto desejo quanto asco em tais miradas desérticas e angustiantes de si, nos vais e vens que a vida proporciona com seus movimentos.

A agonia do contato com o real ocorre em três etapas, todas de impossibilidades. E por serem impossibilidades é que não são admitidas existirem, e logo são tratadas de serem abafadas pelos que são mais sensíveis às dores existenciais – a esmagadora maioria. Por isso, são abundantes as formas de anestesias oferecidas obscenamente a todos. E daí percebemos que este contacto com o real não é algo tão raro assim, até pelo imenso mercado que há de anestesias, e que todos passam a ser consumidores, mais cedo ou mais tarde, mais ou menos intensamente, mas sempre lá estarão, a se anestesiarem contra o que traz angústia e incerteza, impossibilidade e desertificação.

A estrutura também é vulnerável, sob esta ótica, visto ser uma criação na qual os criadores podem todos estar vulneráveis ao ponto de deixar a estrutura ruir, quando passam a dar mais valor ao deserto do real do que à “Disneylândia” antes imaginada.”

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“A realidade, portanto, não é – e a realidade é o presente, o devir, as instâncias da eternidade do momento. Enquanto ela não é, tudo o mais é – e tudo o mais é o passado que, por ser, está sempre presente. Nesta aparente contradição que nos faz perceber que o presente é, que somos, mas não em função do que esteja a ocorrer, apenas, mas sim do que tudo o que ocorreu, e que está a influenciar o presente, que é a duração, o conceito combatido e combalido de Bergson acerca da existência de uma multiplicidade qualitativa que estamos inseridos, sem darmos conta.” (em O Guia Cínico e Selvagem dos Jogos da Vida, Cap. V)

“A ideologia surgiu com a proposta de compreensão do mundo tal como ele “não” é. E nem do que ele aparenta ser. Pois busca-se o que está por trás das aparências. Busca-se perceber a subversão da ordem estabelecida, pela ação do marketing, dos representantes, das leis, das normas ou das demais regras. Enfim, buscam-se todas as questões relevantes que podem estar a ocultar ou distorcer a realidade. Mas por qual razão os ideólogos fundamentas a existência de tais distorções ou ocultamentos? Que algo é este que causa tal efeito, ou que é efeito de alguma causa?

Há a certeza sobre este algo, pois percebe-se este algo pela desordem momentânea, pelo caos inesperado, pelo descontrole furtivo e outras instabilidade, como na hesitação. Ainda que não se compreenda bem o que seja este o algo, lá está, a existir e a perturbar toda a ordem estabelecida. E também todo o fluxo de pensamentos. O algo é chamado de o real – e incomodamente lá está ele, indecifrável, a ser bloqueado pela ideologia. Ele existe, e este é o problema para todos nós, que tratamos de resolver com a ideologia.

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Mas, por que queremos ocultar a realidade? Pois o real é indesejado, caótico e impenetrável. O real é insuportável para qualquer um, pois é indecifrável e contraditoriamente nos parece um nada que tudo contém. E o incauto pensador pode perguntar: mas, se o real é assim, e é a ideologia que nos livra deste mal, então ela não seria algo necessariamente bom para nós? E eis uma pergunta capciosa, carregada de ideologia, e que correríamos o risco de cair no centro do dualismo moral com esta questão. A questão não é sobre ser bom ou não, mas sim sobre o conhecimento acerca da realidade, e da “irrealidade”.” (em O Guia Cínico e Selvagem dos Jogos da Vida, Cap. XVII)

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