Fim dos tempos
Estética Filosóficos

Sobre o sublime, em Kant

Sobre o sublime, em Kant. Quanto ao propósito filosófico da escrita da terceira crítica kantiana, há pelo menos dois caminhos a serem considerados como relevantes aos propósitos deste ensaio, a partir da leitura dos textos mais comumente encontrados na literatura filosófica.

Neste breve ensaio busco refletir minhas reflexões com estas experiências e o proveito de fazer disto uma forma de sensibilizar-me frente ao transcendente das possibilidades filosóficas, estas figuradas como incomensuráveis, e o entendimento do tema. Como uma possibilidade de unir minha imaginação à razão sobre a temática.

Assim, o próprio exercício de escrever este ensaio vem de certo juízo estético propiciado sobre o poder da Estética, além do entendimento acadêmico, e reflete cabalmente o proposto por Kant a partir da revolução copernicana, com foco no sujeito. Imaginar e transcender ao sensível, afinal, é sublime. Adiante.

O primeiro caminho, em sequência ao proposto incialmente, aspira à sistematização da filosofia que Kant definiu em suas primeiras críticas e nos permite analisar o modelo kantiano como uma filosofia completa, abrangente e perfeitamente integrada entre uma Filosofia Teórica e Prática – una e coerente. Este caminho pode ser considerado como o caminho da sistematização filosófica.

O segundo caminho aspira a apresentar a experiência e o juízo estético como soberanos e autônomos, muito além da imposta restrição categorial do entendimento e da moralidade e/ou ética, oriunda das duas primeiras críticas de Kant.

Para ambos os caminhos, é preciso considerar a importância das faculdades, a considerar em síntese que o entendimento é obtido a partir de uma série de operações dos sentidos (sensibilidade), a partir de conceitos a priori, que operam a imaginação e alcançam o entendimento, em um sentido epistemológico que contempla categorias e juízos.

Sobre o sublime, em Kant, só é possível o entendimento, portanto, dos fenômenos, visto que somente estes são passíveis de serem frutos das operações dos sentidos. A natureza é conhecida somente por ser fenômeno. E eis que a natureza pode ser conhecida, mas sua extensão não, a partir de uma possibilidade de incomensurabilidade, de infinita dimensão. E os sentidos, nesta óptica, se tornam limitados – e assim, limitam a própria natureza, e não o inverso. O conhecimento, portanto, tornar-se-ia igualmente limitado sem o atributo da imaginação, que opera em intensidade para levar ao conhecimento, mas sem o ultrapassá-lo, enquanto fenômeno.

Para atingir a libertação deste ciclo fechado no fenômeno, que seria completamente limitado e desgastante, surge a necessidade de este processo transcender do fenômeno ao que Kant denominou de númeno, ou o que está além do fenômeno, e não é possível conhecer pela experiência sensível, mas sim pela racionalidade suprassensível. A libertação do fenômeno é exatamente isto – a liberdade. A Filosofia passa de Teórica à Prática.

Eis que o juízo estético não é sobre o objeto em si, há total desinteresse neste, inclusive. O juízo estético também não é epistemológico. Pode-se conhecer algo racionalmente sem juízo estético, inclusive. Este juízo estético pode suscitar o sentimento de prazer, que é sobre o belo, o universal. Ou também pode suscitar o desprazer, pelo sublime. Todo o subjetivo fundamenta o juízo estético. Assim, as categorias do entendimento ficam anuladas, pois a imaginação entra como a grande protagonista que leva a tal juízo estético.

O prazer ou a satisfação geram uma determinada interrupção do automatismo do entendimento. A transcendência é libertadora do ciclo fechado do entendimento, e gera um certo regozijo, até uma possibilidade da contemplação, desinteressada do objeto.

O desprazer gera algo mais. Pois suscita a insignificante pequenez do sujeito frente ao objeto de apreciação. No mínimo, não se consegue entender o que se os sentidos captam. A própria incapacidade de compreensão, por si só, é um grande desprazer, quebrando o ciclo do entendimento. O desprazer gera, como toda a ação, uma reação, e esta ação é a busca de uma faculdade alternativa de resistir à experiência da falibilidade da imaginação.

Assim, não seria difícil compreender que o que distancie o sujeito do entendimento imediato é mais propício ao juízo estético. O óbvio ou o que não exija que a imaginação atinja sua exaustão podem ser considerados distantes do juízo estético. O incompreensível fica mais propício. E eis que a natureza fenomênica precisa, então, de deixar de ser óbvia e passar a ser incomensurável, deslocando o sujeito a um estado apocalíptico, inferior a priori, desprezível em sua dimensão limitada e finita.

E a natureza considerada por Kant, e exemplarmente retratada na obra de Turner[1], passa a ser representada com esta incomensurabilidade quase apocalíptica, ou mesmo apocalíptica. A natureza suscita o medo não somente pela sua incomensurabilidade, mas pelo seu poder dinâmico, em movimento, caótico e imprevisível, que assume uma força além do poder, em um desprazer dinamicamente sublime. Eis que a arte é, afinal, esta natureza destruidora que se apresenta ao sujeito de forma implacável.

Uma arte que não pode ser expressa ou representada além da própria natureza, exceto se por algum gênio, que atua então como uma espécie de canal, um medium, que produz a bela arte, a partir de um objeto que não oferece nenhum tipo de regra, de previsibilidade ou entendimento possível. O gênio retrata exemplarmente um modelo, sem teorizar, sem formular, e ultrapassa a necessidade epistemológica.

E o sujeito alcança em si, a partir da experiência do sublime, a sua própria transcendência. Não se chega mais ao entendimento e sim na sua própria racionalidade. Como se fugisse do cenário ao qual se insere, ao qual o ameaça e o poderia levar a uma possível extinção que não mais se concretizará. Como se o sujeito se refugiasse em sua capacidade racional e constatasse sua superioridade frente à natureza poderosa e ameaçadora. A própria possibilidade de concretização de sua finitude pela natureza implacável não exerce mais o poder frente ao sujeito, pois este percebe-se superior quando dotado de sua capacidade transcendente.

O sujeito ultrapassa sua própria finitude e alcança a própria eternidade, além do material e sensível, a perceber-se como um ser suprassensível e superior com a antes percebida onipotência da implacável natureza.


Referência – Sobre o sublime, em Kant

[1] J.M.W.Turner, Valley of Aosta: Snow Storm, Avalanche and Thunderstorm (1836-7). Frederick T. Haskell Collection; The Art Institute of Chicago.

Sobre o sublime, em Kant: conteúdo protegido.

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